Brasil de Fato – O que o senhor lê hoje em dia?
Antonio Candido – Eu releio. História, um pouco de
política… mesmo meus livros de socialismo eu dei tudo. Agora estou querendo
reler alguns mestres socialistas, sobretudo Eduard Bernstein, aquele que os
comunistas tinham ódio. Ele era marxista, mas dizia que o marxismo tem um
defeito, achar que a gente pode chegar no paraíso terrestre. Então ele partiu
da idéia do filósofo Immanuel Kant da finalidade sem fim. O socialismo é uma
finalidade sem fim. Você tem que agir todos os dias como se fosse possível
chegar no paraíso, mas você não chegará. Mas se não fizer essa luta, você cai
no inferno.
Brasil de Fato – O senhor é socialista?
Antonio Candido – Ah, claro, inteiramente. Aliás, eu acho
que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é
paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram
juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no
começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de
madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a
aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o
homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não
pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo,
cristianismo social, cooperativismo… tudo isso. Esse pessoal começou a lutar
para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que
doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida
não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para
as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu,
que é um rapaz rico, industrial, ele disse: “O senhor não pode negar que o
capitalismo tem uma face humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O
capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx
definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital
precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na “Ideologia Alemã”: as
necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda
descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais
andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando
descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o
capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo
é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o
operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é conquista do socialismo. O
socialismo só não deu certo na Rússia.
Brasil de Fato – Por quê?
Antonio Candido – Virou capitalismo. A revolução russa
serviu para formar o capitalismo. O socialismo deu certo onde não foi ao poder.
O socialismo hoje está infiltrado em todo lugar.
Brasil de Fato – O socialismo, como luta dos
trabalhadores?
Antonio Candido – O socialismo como caminho para a
igualdade. Não é a luta, é por causa da luta. O grau de igualdade de hoje foi
obtido pelas lutas do socialismo. Portanto, ele é uma doutrina triunfante. Os
países que passaram pela etapa das revoluções burguesas têm o nível de vida do
trabalhador que o socialismo lutou para ter, o que quer. Não vou dizer que
países como França e Alemanha são socialistas, mas têm um nível de vida melhor
para o trabalhador.
Brasil de Fato – Para o senhor é possível o socialismo
existir triunfando sobre o capitalismo?
Antonio Candido – Estou pensando mais na técnica de esponja.
Se daqui a 50 anos no Brasil não houver diferença maior que dez do maior ao
menor salário, se todos tiverem escola… não importa que seja com a monarquia,
pode ser o regime com o nome que for, não precisa ser o socialismo! Digo que o
socialismo é uma doutrina triunfante porque suas reivindicações estão sendo
cada vez mais adotadas. Não tenho cabeça teórica, não sei como resolver essa
questão: o socialismo foi extraordinário para pensar a distribuição econômica,
mas não foi tão eficiente para efetivamente fazer a produção. O capitalismo foi
mais eficiente, porque tem o lucro. Quando se suprime o lucro, a coisa fica
mais complicada. É preciso conciliar a ambição econômica – que o homem
civilizado tem, assim como tem ambição de sexo, de alimentação, tem ambição de
possuir bens materiais – com a igualdade. Quem pode resolver melhor essa
equação é o socialismo, disso não tenho a menor dúvida. Acho que o mundo marcha
para o socialismo. Não o socialismo acadêmico típico, a gente não sabe o que
vai ser… o que é o socialismo? É o máximo de igualdade econômica. Por exemplo,
sou um professor aposentado da Universidade de São Paulo e ganho muito bem,
ganho provavelmente 50, 100 vezes mais que um trabalhador rural. Isso não pode.
No dia em que, no Brasil, o trabalhador de enxada ganhar apenas 10 ou 15 vezes
menos que o banqueiro, está bom, é o socialismo.
Brasil de Fato – O que o socialismo conseguiu no mundo
de avanços?
Antonio Candido – O socialismo é o cavalo de Troia dentro
do capitalismo. No comunismo tem muito fanatismo, enquanto o socialismo
democrático é moderado, é humano. E não há verdade final fora da moderação,
isso Aristóteles já dizia, a verdade está no meio. Quando eu era militante do
PT – deixei de ser militante em 2002, quando o Lula foi eleito – era da ala do
Lula, da Articulação, mas só votava nos candidatos da extrema esquerda, para
cutucar o centro. É preciso ter esquerda e direita para formar a média. Estou
convencido disso: o socialismo é a grande visão do homem, que não foi ainda
superada, de tratar o homem realmente como ser humano. Podem dizer: a religião
faz isso. Mas faz isso para os que são adeptos dela, o socialismo faz isso para
todos. O socialismo funciona como esponja: hoje o capitalismo está embebido de
socialismo.
Fonte: Tribuna da Imprensa
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